Vinte
e nove de abril de 2020. Lá se vão 44 dias de distanciamento
social, sem previsões para retorno à dita normalidade. Hoje,
acordei sem saber ao certo que dia era, confusa no passar lento e ao
mesmo tempo apressado e repetido das horas.
Eu
sigo em casa, encontrando memórias que jaziam escondidas em lugares
que nem sabia mais poder alcançar. Parte de nós é o que trazemos
na memória. Somos as experiências que acumulamos, as relações, os
momentos, as sensações e a maneira que nos lembramos e nos
relacionamos com tudo isso. E muitas vezes nem nos damos conta do
quanto carregamos. Mas de repente, no olhar despretensioso para o
café fumegante na mesa, para uma rachadura na parede da casa, o
escutar atento a uma palavra inusual, eis que ela está lá, a
memória.
Hoje
eu queria ver o rio. Deixar o pensamento, as memórias, os medos, a
ansiedade seguirem o fluxo corredio das águas e se perderem pra não
sei onde. Queria sentar ao lado do senhorzinho pescador de todo fim
de tarde e assistir ao céu mudando de cor lentamente, do azul forte
aos tons de rosa, laranja, amarelo, uma aquarela, até escurecer por
completo.
Queria
ver os passarinhos chegando pra dormir no concreto frio da ponte,
barulhentos, algazarreando pertinho da água doce do rio, enquanto as
pessoas passam apressadas preocupadas com a estética ou a saúde.
Assim foi em tantos dias e não é mais há quase dois meses. Eu
sinto tanta falta. E na falta vêm as memórias, insistentes,
ocupando espaços.
Mais
do que alcançá-las, reconhecê-las como parte de você, o mais
difícil é ter que lidar com elas. Reviver situações que ainda
perturbam de alguma maneira e perceber que no dia a dia não paramos
tempo suficiente para nos dar conta disso. Não paramos o suficiente
para nos perceber, nos ouvir e ouvir o tanto de vozes que falam por
dentro, que gritam silenciosas. E se descobrindo, se redescobrindo,
você deseja novamente se perder.