terça-feira, 16 de junho de 2020

Precisamos falar






Não costumo falar muito. De mim, em especial, vou guardando coisas até não caber mais. O silêncio se acumula até transbordar, fazendo doer as costas, fazendo pesar o mundo. Engolimos o desaforo, os abusos, as dores e chega um momento em que precisamos nos perguntar: para onde está indo tudo isso?

Há alguns anos passei por momentos muito difíceis, porque tudo isso se transformou em algo maior. Coração acelerado, o corpo trêmulo sem conseguir controlar. Tinha medo, muito medo, de tudo. Tinha medo de morrer e várias vezes fui parar na emergência do hospital porque tinha certeza de que estava tendo um ataque cardíaco. Tinha certeza que morria naquele instante. Sentia frio, vontade de chorar e não entendia quando faziam exames e exames e me diziam: está tudo bem.

Como estava tudo bem? Claro que não estava! Procurei ajuda e ouvi o diagnóstico apressado de um médico que me rotulava. Apressado mesmo, sequer cinco minutos de avaliação e ganhei um rótulo. Essa mesma pressa que nos faz engasgar no dia a dia, que nos faz acreditar que estamos em uma corrida contra o tempo, contra as estatísticas, contra nós mesmos, contra a vida. Corremos tanto… pra que? Pra onde?

Passei muito tempo vivendo esse medo constante. Sentia medo de sentir o medo que me paralisava ou me fazia correr pro hospital na certeza da morte. Mas tive ao meu lado mãos que me seguravam, que me impediam de cair de vez, que me davam força pra acreditar que o medo ia embora. Ele sempre ia. Tive essa sorte, muitas pessoas não têm. Muitas pessoas até têm, mas mesmo assim não conseguem.

Tentei fugir dos rótulos, das dores engavetadas, do torpor do remédio que fazia sumir as sensações ruins e as boas também. Tentei acreditar que somos muito mais que compartimentos, onde cada lugar é para uma coisa. Não é assim. Não é pra ser assim. E quando eu consegui respirar sem tanto peso, sem tanta culpa, sem tanta cobrança, prometi a mim mesma que falaria sobre isso, que tentaria dar a mão a outras pessoas para que elas não passassem o que eu passei.

Mas eu nunca consegui fazer isso. Poucas pessoas sabem realmente o que eu passei. Em algumas situações consegui ver olhares desesperados, como que pedisse ajuda. E tudo que consegui foi dizer que tudo ficaria bem, que não valia a pena aquela dor que cultivamos sem nem nos dar conta. Às vezes é tudo o que queremos ouvir, que alguém realmente se importa, sem qualquer juízo de valor.

Resolvi escrever sobre isso por causa do momento em que estamos passando. Pelas incertezas que se tornaram crescentes, pelos discursos que tenho ouvido de que se você não faz é porque não quer. Se você não chega é porque não é capaz. Se você não vence é porque é fraco. Esse discurso é perverso, é a mesma ideia apressada que quer rotular e nos colocar nas caixinhas.

Precisamos falar mais sobre nós, como nos sentimos. Isso não é tabu, não é errado, é necessário. Precisamos nos escutar. Precisamos enxergar o outro e estender a mão.