Era só entrar pelo
caminho de terra, em algum lugar no interior de Remanso, e seguir a
estrada marrom de declives e pedregulhos. Era só ir abrindo as
cancelas e decidindo instintivamente entre as bifurcações ou se
guiar por aquele pé de mandacaru, um entre tantos, mas que se
diferenciava sabe-se lá como. Era só passar por aquela árvore
retorcida, aquela outra de galhos caídos e por aquela de folhas já
secas, que ainda tentava resistir ao implacável sol. E também por
um barco, estancado na aridez que se repetia cotidianamente, fazendo
de ancoradouro o quintal da casa. Era o caminho das Larges, lugar até
então perdido em minhas lembranças infantis.
Foto: Emerson Rocha |
Não tinha mais os
coqueiros da entrada. Nem o cheiro da água que ia adocicando a
estrada. A água sumiu, pra lá depois de onde os olhos já nem
alcançam mais e os coqueiros foram embora com ela. Restou o imenso
cajueiro abraçando a casa que um dia pareceu enorme. E o senhor que
já não se reconhece fora dali, aquele lugar no meio do nada, como
dizem tantos. “O que é que eu vou fazer na cidade?”, ouvi meu
tio, único irmão vivo de minha avó paterna, perguntar. Ele, 82
anos, morador solitário das Larges. “O que eu vou fazer na
cidade?”, a pergunta ecoando, me cobrando explicações.
A vida dele é ali,
lugar sem energia elétrica, sem telefone, sem internet. Bodes
pastando extensivamente, galinhas de estimação. Raiar e por do sol.
Mundo que se agiganta pela simplicidade, pelo passar arrastado do
tempo sem relógio. O que fazer fora dali, naquela desordem que
confunde, naquela bagunça que sufoca, num vai e vem desenfreado e
tantas vezes sem destino? Ali onde bicho, homem, planta, terra, água
se entendem e se respeitam, se unem contra as adversidades, se
completam num ciclo hoje tão ameaçado.
O calor fazia desenhos
no ar, enquanto eu caminhava mato adentro tentando entender. Meu tio,
alheio a meus questionamentos, sorria soberano certo de que está no
melhor lugar do mundo.