Não precisa dizer nada, apenas ouvir.
Tem tanta gente disposta a falar, procurando uma brecha no tempo alheio para
colocar pra fora sua história. Pode ser apenas mais uma, mas é a vida de
alguém. Por mais que não pareça, única.
Ela chegou discreta em meio ao vai e vem de pessoas que se
amontoavam na agência bancária, indiferentes a tanto além do passar do tempo. Alta,
magra, olhos pesados, mãos querendo falar. Olhou em volta rapidamente,
sentou-se ao meu lado, a existência parecendo desafiar a vida.
- Não tem dinheiro nos caixas lá fora. – As mãos falavam
esperando atenção. Assenti com a cabeça, tirei o fone do ouvido, o gesto que
talvez esperasse.
- Ia tirar um dinheiro porque me enganaram. – Eu apenas
ouvia, olhar fixo na transparência da córnea amarelada. Sobre a bolsa a senha
que indicava atendimento prioritário.
- Estou com um tumor na cabeça, o médico me disse ontem. Vou
ter que operar, mas preciso tomar um remédio antes. Custa setecentos reais. Vim
tirar os mil que tenho na poupança.
A senhora, talvez nem tão senhora assim, parecia humilde. Se
comportava com uma fragilidade de quem vai quebrar a qualquer momento.
- Tem três anos que eu sinto isso, mas o médico me dizia que
era coisa da minha cabeça. Não uma coisa que existia dentro dela, mas uma coisa
que ela criava. Fiquei esse tempo todo tomando remédios que acho que nunca
deveria ter tomado.
Apesar de toda complacência nas palavras, tinha raiva na
voz. E uma sobriedade tão forte, que parecia a impedir de sorrir. Ela não sorriu.
- Esses dias passei mal. Fui levar minha filha na UPA pra
fazer um exame e desmaiei lá. Acho que foi porque comi muito pão com queijo
cremoso. Por mim eu só comeria pão com queijo cremoso. (pausa longa) Eu disse
ao médico que ele ia pagar pelo erro dele, disse que ia processar, porque o
tumor tá grande e ele não tinha visto isso. Aí ele me disse pra levar a nota do
remédio, acho que vai me reembolsar. Minha mãe me perguntou se eu não tinha
medo dele me matar na mesa de cirurgia. E eu respondi, mãe, eu já estou morta.
A campainha soou. P34, era a sua senha. Pegou os mil reais,
me mostrou que havia conseguido sacar e foi embora. Pela primeira vez sorriu,
de canto, desajeitado como quem não tem costume. Talvez pensando no pão com
queijo cremoso, felicidade de instante. Não, ela não estava morta.
Ótimo como sempre... olhando bem, quem não tem motivos pra ser feliz nem q seja em instantes...
ResponderExcluirMassa demais Inês! Tudo que escreve é cheio de vida!!!! Parabéns!
ResponderExcluir