sexta-feira, 23 de maio de 2014

E se fosse seu último dia? (Parte I)

O que você faria se hoje fosse seu último dia de vida? Talvez não fosse a melhor maneira de relacionar-se com o mundo, sabendo que no dia seguinte você não fará mais parte dele, a não ser como pó, lembranças e, em alguns casos, saudades. Eu não sabia que ontem era meu último dia.

Acordei cedo, mais do que normalmente o fazia. Acho que a vida quis dispor a mim mais alguns minutos para que pudesse vê-la, mas não foi isso que eu entendi. Na verdade senti raiva, queria continuar dormindo, ainda me sentia cansado. Mas não consegui mais.

Levantei mal-humorado, fui ao banheiro, lavei o rosto. “Cara feia”, pensei olhando para o espelho. Poderia ter sorrido naquele momento, diante de um pensamento tão tosco e de uma imagem idem. Mas não sorri, do que me arrependo. Foi um sorriso a menos em minha vida. Segui levando no rosto um semblante pseudo-austero, rabugento, quase infeliz. Fui tomar café. Quando se pensa em morte e sabe-se que antes dela haverá um último momento, imagina-se que tudo nesse último momento será da melhor forma possível. Como em uma despedida de solteiro. Comigo não era diferente. Imaginei que minha última refeição matinal seria como naqueles filmes em que se baba frente à tv e que, em certos momentos, você jura poder sentir o gosto das iguarias. Tudo que achei foi um saco de pães dormidos. Poderia ter ido à padaria e comprar pães novos, ou ainda aqueles biscoitos refinados que há tempos paquerava no balcão, mas que, devido ao preço, nunca tive coragem de comprar. Eles pareciam muito bons de fato, mas não tive como constatar isso. Contentei-me com os pães duros e secos. Abri a geladeira e o que vi foi uma caixa de leite aberta, meia dúzia de laranjas já quase apodrecidas e água. Poderia ter feito um suco. Fiquei com preguiça e acabei comendo só aquilo que um dia tinha sido um pão.

Andei pela casa ainda sustentando no rosto a raiva de ter acordado cedo. Sentia-me o próprio Casmurro. Sentei na poltrona, fiquei horas sem fazer nada. Não percebi como estava o céu, se chovia ou se brilhava aquele sol costumeiro. Não senti cheiro algum, não ouvi música, não falei com ninguém. Acho que sequer pensei. Me anulei por um instante, mal sabendo que em poucos instantes estaria anulado para sempre.

Quando resolvi levantar e dar algum rumo àquele bendito dia, o relógio já marcava 10:37. Fui ao banheiro novamente, tomei um banho apressado. Pressa para que? Sentia-me importante quando tomava banho rápido. Parece que todas as pessoas importantes, que têm reuniões de negócios com outras pessoas que carregam maletas e por isso também são importantes, tomam banho rápido para chegar ao destino no horário. Eu não era importante, não tinha uma maleta nem horário marcado para reunião de negócios. Mas imaginava que um dia teria tudo isso e já ia treinando.

Saí do banho, vesti a roupa que vestia quase todos os dias. Uma calça jeans, a camisa amarela com um desenho que nunca entendi o que era na frente. Já estava até meio desbotada. Vi minha camisa nova balançando no cabide. Não cheguei a usá-la. Estava esperando uma ocasião especial, mas acho que esperei demais. Abri a porta resmungando porque ela emitia um ruído insuportável, um rangido que era quase uma canção brega. Poderia ter resolvido com um algodão banhado a óleo de cozinha. Mas acho que preferia perder meu tempo reclamando toda vez que a abrisse.

Andei pelas calçadas empunhando minha maleta imaginária, olhando para as pessoas com meu ar de superioridade que me afastava de uma grande maioria. Me sentia melhor do que os outros, por que haveria de esconder isso? Sou bonito e um dia serei um empresário de sucesso, era o que pensava quando via aquele povo feio que tinha a honra de dividir a calçada comigo. Quanta pretensão tola! Hoje sou pó, lembranças e nem sei se saudades. E eles continuam andando pela calçada, agora honrados sem a minha presença estúpida e prepotente.

O destino era a universidade. Cursava o sétimo período de administração de empresas. Queria fazer economia também, mas o tempo passou e eu não tive mais tempo. As aulas começavam 9h, mas geralmente eu chegava às 11h ou 11h30 dependendo da aula do dia. Achava que sabia de tudo, que o conhecimento que me vendiam por um preço altíssimo era desnecessário frente ao meu dom. E por que continuava? Vontade de aparecer e exibir o diploma na sala da presidência de minha empresa. Nunca sequer vendi uma bala. 

Cheguei, entrei na sala, sentei na última cadeira da segunda fila da esquerda para direita, como fazia todos os dias. Quando se acostuma a uma coisa é difícil mudar. Dá sempre a sensação de que tudo vai passar a dar errado. Era exatamente como acontecia com o tal lugar. Nunca ousei mudar. As horas passavam lentas e eu me agoniava com aquele murmúrio que vinha do professor. Ás vezes eles riam e eu nunca ouvia a piada. Sabia que não haveria graça.

Tinha alguns amigos naquela faculdade. Uns caras que estudavam comigo, uns de outros períodos ou de outros cursos. Não tinha namorada, mas já havia ficado com quase todas as meninas dali. Nunca dei valor a nenhuma delas, porque as achava fáceis demais, interesseiras demais, arrogantes demais. Talvez se espelhassem em mim. Morri sem conhecer o amor.

A aula ia até às 13h e eu esperava o momento de registrar minha presença para ir embora. Naquele dia, quando saí era 12:46. Fui para o restaurante da faculdade, comi o de sempre, um punhado de arroz, macarrão, batata frita, frango e uma coca-cola com gelo e limão. Não foi digno de último almoço, mas estava realmente saboroso. Só faltou a sobremesa. Voltei para casa e dormi a tarde inteira. Poderia ter ido ver o mar, ou mesmo ter aproveitado alguns instantes a mais ao lado de meus amigos. Poderia ter rido a tarde inteira de besteiras que nos fazem momentaneamente felizes. Poderia ter ligado para meus pais e ter dito o quanto os amava e o quanto me fazia falta tê-los por perto. Mas ao invés disso recolhi a minha insignificância numa cama. Dormi pesado, sem sonhos.

Um comentário:

  1. Digitei tudo e apaguei sem querer! Vamos lá! Hoje é feriado aqui! Dia do estudante (kkkkkk)!! Dormi tarde ontem, acordei 11:00, fiquei com preguiça de fazer almoço, tomei um suco de laranja. Começou a chover, senti o cheiro da terra molhada da pracinha que tem na frente do meu prédio, fui pra janela, fiquei recebendo respingos e lembrei da nossa época de banho de chuva, te mandei mensagem com nossa música e a foto da chuva, falei com minha mãe e mandei a foto pra ela! Estava deitada tb e disse que Salvador tb estava chovendo. Deitei e dormi a tarde toda, sentindo aquele cheirinho! Levantei, dei minha caminhada na pracinha como de costume, voltei, tomei banho e comecei a ler seu blog, do final pra o início! Tô deitada de novo pq amanhã tenho aula e o sono n vem pq dormi o dia todo! A chuva q me ajudaria a ter um pouco mais de sono, foi embora! Acho que meu último dia, seria +-!

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