segunda-feira, 23 de março de 2020

Ida ao supermercado




Vinte de março de 2020. Pelos últimos dois dias protelei, mas saí de casa. Desconfiada, coração angustiado. A sensação era uma só: medo.

No supermercado, controle de entrada de pessoas para evitar aglomerações. Senhoras mascaradas empurravam o carrinho lotado. O olhar era de apreensão, olhar de canto de olho. Os movimentos eram de apreensão. Todos evitando uns aos outros. Apesar de saudável, me senti ameaça. E também ameaçada.

Lavar as mãos, álcool gel, lavar as mãos, álcool gel. Assim saí de um mercado para outro menor, onde encontrei uma pessoa querida, que me disse ainda não ter beijado a filha depois que ela voltou de viagem. Pela primeira vez senti vontade de chorar. Estamos, de fato, em um momento de privações.

Nesses dias tenho lembrado muito de minha mãe. Lá no início da década de 1990, um surto de cólera explodiu no Brasil. Minha mãe, educadora e assistente social, levava informações para crianças em escolas, inclusive na que eu estudava. Vi diversas vezes ela explicando que poderíamos evitar a doença com gestos bem simples, como lavar as mãos e os alimentos que fôssemos consumir.

Nunca esqueci. Impressionada, como sempre fui, fazia várias vezes o teste da pele que ajudava a identificar uma pessoa com cólera. Como o doente perde muita água, a pele fica sem a elasticidade natural. Minha preocupação não tinha qualquer sentido, mas existia pelo medo. Mesmo assim, não me lembro de perceber tanto medo como consigo ver hoje nos olhos das pessoas.

Tenho percebido pessoas abaladas psicologicamente e isso me preocupa bastante, tanto quanto o aumento da pandemia. Estamos vivenciando uma situação em que não sabemos muito bem o que fazer nem tampouco o que será no futuro. Não conseguimos lidar com prazos. Não temos respostas e as certezas são poucas. Eu fiz uma escolha para esses dias em que me isolo socialmente: tentar manter tanto minha saúde física quanto a saúde mental. Não me alienar, mas evitar os excessos. E me colocar à disposição de quem não está conseguindo, seja para conversar sobre o assunto, ou desviar o foco, falar amenidades, sugerir músicas e filmes, o que seja. Sou toda ouvidos.

Vejo muita gente questionando nas redes sociais o que as pessoas mais gostariam de fazer quando terminar o isolamento social. Eu só quero poder sair sem sentir esse medo tão palpável que vivenciei quando fui ao supermercado. Quero poder estar entre pessoas que amo, sem me sentir um perigo.

Um comentário:

  1. Suas palavras exterioriza o sentimentos de muitos inclusive o meu... obg por está sempre disponível e acessível.

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