Dei conta de mim depois de
sabe-se lá quanto tempo. Não fazia mais sentido algum contá-lo. Algum dia fez?
Pensei, pensei. Percebi o quanto era maniado em quantificar as coisas.
Calorias, distâncias, inteligência, força, relações, desejos, vontades, amor,
ódio, saudade. E o tanto que deixava de ver da vida enquanto colocava em
números o que muitas vezes só é necessário sentir. E o tanto de humanidade que
se perde em atos que vão se tornando mecânicos, mensuráveis.
Lembrei de certo dia quando
voltava para casa. Sentado à espera do ônibus, vi pessoas caminhando. Pareciam
ir a lugar algum, hipnotizadas pela pressa do dia que vai se acabando e ainda
falta muito a fazer. Vi pessoas passando nas janelinhas dos coletivos. Olhares
congelados, mirando o nada, sem brilho. O entardecer tentava chamar atenção,
por entre os prédios da cidade. O céu mudando lentamente de cor e eu esperava o
ônibus sem pensar. Assim como milhares de pessoas, que depois se espremeriam no
espaço mínimo, cansadas do trabalho de dia inteiro, rezando para o motorista
não parar no próximo ponto e abarrotar ainda mais de gente o momento que
parecia eterno. Depois todos desceriam onde tinham que descer e seguiriam para
fazer o que tinham de fazer.
Vi que não somente eu poderia
fazer do último dia o melhor dos dias. Vi que uma porção de gente não hesitaria
diante da pergunta “você gostaria de mudar algo em sua vida?”. E mesmo assim
permanece. Tive uma pequena ideia da multidão que diariamente reprime seus
sonhos em nome de uma vida pragmática demais, burocrática demais, estática
demais. Pessoas que deixam de ouvir a si mesmo, de ver além do que sempre é
dito pra ser visto, que ignoram suas fantasias, por mais tolas que elas sejam,
ou que aparentem ser. Pessoas que têm medo de transpor a ordem, de fazer
diferente e que, ao se depararem com alguém com o pé fora do caminho, fazem de tudo
para que as coisas voltem a ser como antes, para que não se perca as rédeas.
Quem dita a ordem? Por que esta deve ser a ordem?
Nos primeiros momentos nos quais
entendi que não poderia mais fazer nada para mudar meu destino, imutabilidade
dada em vida pela minha inércia e já definitiva pela morte repentina, desejei
ter feito diferente, lamentei pelos que ainda podem e não o fazem. Aqui, onde
deixo de existir para tanta gente, sigo com as lembranças do que não fiz e do
que poderia ter sido. Uma lição que aprendi tarde demais.
E se fosse seu último dia (Parte I)
E se fosse seu último dia (Parte I)
Muito legal, Inês. É tão difícil, às vezes, apenas ser...Mas vale a pena.
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