segunda-feira, 11 de agosto de 2014

E se fosse seu último dia? (Final)

Dei conta de mim depois de sabe-se lá quanto tempo. Não fazia mais sentido algum contá-lo. Algum dia fez? Pensei, pensei. Percebi o quanto era maniado em quantificar as coisas. Calorias, distâncias, inteligência, força, relações, desejos, vontades, amor, ódio, saudade. E o tanto que deixava de ver da vida enquanto colocava em números o que muitas vezes só é necessário sentir. E o tanto de humanidade que se perde em atos que vão se tornando mecânicos, mensuráveis.

Lembrei de certo dia quando voltava para casa. Sentado à espera do ônibus, vi pessoas caminhando. Pareciam ir a lugar algum, hipnotizadas pela pressa do dia que vai se acabando e ainda falta muito a fazer. Vi pessoas passando nas janelinhas dos coletivos. Olhares congelados, mirando o nada, sem brilho. O entardecer tentava chamar atenção, por entre os prédios da cidade. O céu mudando lentamente de cor e eu esperava o ônibus sem pensar. Assim como milhares de pessoas, que depois se espremeriam no espaço mínimo, cansadas do trabalho de dia inteiro, rezando para o motorista não parar no próximo ponto e abarrotar ainda mais de gente o momento que parecia eterno. Depois todos desceriam onde tinham que descer e seguiriam para fazer o que tinham de fazer.  

Vi que não somente eu poderia fazer do último dia o melhor dos dias. Vi que uma porção de gente não hesitaria diante da pergunta “você gostaria de mudar algo em sua vida?”. E mesmo assim permanece. Tive uma pequena ideia da multidão que diariamente reprime seus sonhos em nome de uma vida pragmática demais, burocrática demais, estática demais. Pessoas que deixam de ouvir a si mesmo, de ver além do que sempre é dito pra ser visto, que ignoram suas fantasias, por mais tolas que elas sejam, ou que aparentem ser. Pessoas que têm medo de transpor a ordem, de fazer diferente e que, ao se depararem com alguém com o pé fora do caminho, fazem de tudo para que as coisas voltem a ser como antes, para que não se perca as rédeas. Quem dita a ordem? Por que esta deve ser a ordem?

Nos primeiros momentos nos quais entendi que não poderia mais fazer nada para mudar meu destino, imutabilidade dada em vida pela minha inércia e já definitiva pela morte repentina, desejei ter feito diferente, lamentei pelos que ainda podem e não o fazem. Aqui, onde deixo de existir para tanta gente, sigo com as lembranças do que não fiz e do que poderia ter sido. Uma lição que aprendi tarde demais. 

E se fosse seu último dia (Parte I)

Um comentário:

  1. Muito legal, Inês. É tão difícil, às vezes, apenas ser...Mas vale a pena.

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